terça-feira, 18 de agosto de 2009

A liberdade de acesso ao Tamiflu e o risco de resistência do H1N1

A Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro protocolou na última semana ações judiciais relacionadas às políticas implantadas pelo Ministério da Saúde na gestão do medicamento indicado para tratamento da nova gripe.

As ações buscam, entre outras coisas, a liberação da venda do medicamento nas farmácias e sua distribuição aos hospitais públicos e privados. Outro ponto discutido pelos promotores era o direito à prescrição do medicamento por qualquer médico devidamente identificado.

Esse primeiro aspecto já foi resolvido pelo Ministério da Saúde, que orientou a liberação por meio de prescrição e do preenchimento de um formulário específico.

Mas vamos tentar esclarecer a necessidade de controle do Tamiflu durante essa crise que estamos vivendo.

A utilização sem controle de medicamentos tem repercussões na saúde de quem os usa e na saúde de toda sociedade.

Em um país onde o controle do varejo de medicamentos é no mínimo irregular, a atitude do ministério de centralizar a distribuição do medicamento pode até parecer autoritária.

Porém, essa determinação pode nos poupar o dissabor de ver aparecer no Brasil uma cepa, isto é, um tipo, resistente ao antiviral.

Cepas resistentes do influenza A (H1N1) já foram isoladas em três países do mundo. Na fronteira entre o México e os Estados Unidos pelo menos outros três casos estão em avaliação.

Portanto, a população deve procurar seguir as orientações das autoridades sanitárias e fazer a sua parte lavando as mãos frequentemente, evitando aglomerações e, se estiver gripado, ficando em casa.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Estudo recomenda musculação para mulheres com linfedema

Estudo publicado na revista “The New England Journal of Medicine” mostra que musculação não é mais tabu para quem ficou com linfedema após tratar um câncer de mama. O linfedema é um inchaço do membro superior no lado que foi operado. Trata-se de um efeito colateral bastante comum desse tipo de tratamento.

A causa é a dificuldade de circulação da linfa, líquido que circula entre os linfonodos. A cirurgia de remoção do tumor de mama algumas vezes envolve a retirada desses linfonodos para detecção e prevenção de metástases.

O inchaço piora se a mulher carrega peso ou faz algum esforço maior com aquele braço. O linfedema traz desconforto e dor, daí as mulheres que passaram pelo tratamento evitarem utilizar o braço nas atividades do dia a dia.

Por tudo isso, a musculação sempre foi evitada pelas pacientes no pós-tratamento. Mas a atividade física traz benefícios físicos e psíquicos comprovados na recuperação dessas mulheres. A boa notícia é que a pesquisa mostra que a musculação também pode fazer parte da rotina dessas mulheres.

Foram mais de 140 mulheres que haviam sido submetidas ao tratamento para câncer de mama. Metade fez um ano de academia e entrou em um programa de treinamento com musculação dirigida por professores orientados para o problema.

O programa envolvia duas sessões de treinamento por semana com musculação para todo o corpo, exercícios cardiovasculares e alongamento. O único cuidado especial com as participantes era a utilização de uma malha compressiva feita sob medida para evitar o inchaço.

A circunferência dos braços era medida a cada sessão de treinos. Após um ano de exercícios, as participantes do grupo da academia tinham 5% menos problemas com inchaço e linfedema.

Os pesquisadores apontam para a necessidade de que os professores de educação física estejam preparados para atender as mulheres que precisaram se submeter ao tratamento para câncer.

Quase metade dos medicamentos é usada irracionalmente em todo o mundo

Foto: Tony Cenicola/The New York Times

Foto: Tony Cenicola/The New York Times

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, a agência de saúde pública das Nações Unidas), quase metade dos medicamentos consumidos no mundo está sendo utilizada de maneira irracional. Essa é a conclusão a que chegaram os especialistas da entidade após coleta e análise de dados sobre a utilização e a disponibilidade dos remédios globalmente.

Os exemplos de utilização inadequada são vários: “supertratamento” de doenças simples, mau uso dos antibióticos, automedicação, tratamentos incompletos ou tratamento incorreto de doenças sérias. Importante lembrar que esses fatos ocorrem em todos os países e não só nos menos desenvolvidos.

Atualmente existem mais de 20 mil medicamentos diferentes disponíveis e com apenas 316 a humanidade poderia tratar as doenças mais importantes, entre as quais as enfermidades crônicas.

Os dados são impressionantes:

  • Em torno de 50% dos antibióticos utilizados no mundo são subutilizados ou utilizados sem indicação.

  • Nos Estados Unidos os efeitos adversos decorrentes do uso inadequado de medicamentos é uma das seis causas mais importantes de morte.

A utilização errada dos antibióticos está levando à criação de bactérias resistentes e já tornou, por exemplo, o protozoário causador da malária resistente a cloroquina (medicamento padrão de tratamento) em 80 países. A penicilina não é mais capaz de curar a gonorréia em 98% dos casos.

Nos dias de hoje a discussão sobre o surgimento de formas resistentes do vírus influenza A (H1N1) aponta para o uso irracional do antiviral como a causa dos primeiros casos de resistência já identificados.

A tuberculose é outra doença que, depois de ressurgir há pouco mais de 2 décadas com a epidemia de HIV/Aids, vem mostrando formas resistentes que desafiam a medicina, frutos da utilização incompleta do tratamento.

O tema por si só é importante, porém quando lembramos que estão em jogo o sofrimento de pessoas e o uso de recursos financeiros escassos para a saúde, o uso irracional de remédios torna-se problema de saúde pública e deveria ser amplamente discutido pela sociedade.

domingo, 16 de agosto de 2009

Pesquisa do Instituto Butantan usa saliva de carrapato-estrela contra câncer

Foto: Instituto Butantan

Da saliva do carrapato-estrela (Amblyomma cajennense) podem sair novos medicamentos contra o câncer, além de anticoagulantes. (Foto: Instituto Butantan)

Da saliva do carrapato-estrela (Amblyomma cajennense), a ciência conhece apenas os efeitos nocivos. A febre maculosa, doença muitas vezes fatal, é transmitida pela picada do aracnídeo. Da mesma substância, porém, podem sair novos medicamentos contra o câncer, além de anticoagulantes. Há seis anos, pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo, trabalham no desenvolvimento de uma droga que possa ser utilizada com as duas finalidades. O prognóstico é animador.

A pesquisa – ainda não publicada – foi um dos destaques no 22º Congresso Internacional da Sociedade de Trombose e Hemostasia, realizado em Boston (EUA), em julho. “Imaginávamos que a saliva do carrapato tivesse algum componente que inibe a coagulação, pois, como hematófago, precisa manter o sangue fluindo para se alimentar”, explica a farmacêutica Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, coordenadora do estudo.

Partindo dessa suspeita, a pesquisadora analisou a sequência de genes da glândula salivar do carrapato, responsável pela produção de uma proteína anticoagulante. Os resultados foram comparados à ação de anticoagulantes conhecidos como TFPI (presentes na saliva humana). A conclusão foi que a proteína presente na saliva poderia ser produzida em laboratório. Um pedaço do DNA analisado foi introduzido em bactérias Escherichia coli que passaram a secretar a mesma proteína. “Elegemos esse clone e produzimos a proteína recombinante”, explica Ana Marisa.

O resultado do estudo transformou-se em um pedido de patente, depositado em 2004, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). No entanto, em pouco tempo, Ana Marisa descobriu que a pesquisa renderia mais do que um futuro anticoagulante.

Fatal para tumores, inofensivo para células normais
Testando a proteína em células de vaso sanguíneo para medir seu nível de toxicidade, descobriu-se que a substância é segura para células saudáveis, mas fatal para células tumorais. O experimento foi então extendido a camundongos que tiveram melanomas (câncer de pele) induzidos, e o resultado surpreendeu os pesquisadores.

Proteína tem atividade altamente citotóxica para células tumorais. (Foto: Instituto Butantan)

Tratados durante 42 dias com a proteína, os tumores dos camundongos apresentaram reversão completa. “Testamos em culturas de células tumorais e a surpresa foi positiva, pois a proteína tem atividade altamente citotóxica para elas e não para células normais”, explica Ana Marisa.

Algumas das explicações que os cientistas buscam agora são como funciona a ação pró-coagulante de alguns tipos de tumores – como o melanoma e o de pâncreas – e a inibição de mecanismos de divisão celular. “Essa relação é um grande achado, pois quando você retira sangue desses tumores pode ver ele coagular ainda na seringa”, diz a pesquisadora do Butantan.

Interesse da indústria x burocracia
O estudo segue em fase pré-clinica, ou seja, ainda passará por mais testes antes de ser aprovado para experimento em humanos, mas já despertou o interesse da indústria farmacêutica. Os laboratórios BioLab, Aché e União Química formaram um consórcio para a produção de futuros medicamentos que podem surgir a partir da descoberta.

Ana Marisa, no entanto, não demonstra otimismo. Segundo ela, o entrave burocrático para transformar a pesquisa de base em um produto desistimula os cientistas e impede que novos medicamentos cheguem ao mercado. “O Instituto Butantan não tem autonomia para assinar patentes e o processo burocrático é longo”, afirma. “Por outro lado, a indústria questiona por que investir em algo que não tem segurança jurídica.”