Um novo teste de DNA para o vírus capaz de causar o câncer cervical apresentou desempenho tão superior aos métodos atuais que alguns ginecologistas esperam que ele eventualmente substitua o Papanicolau, nos países ricos, e exames mais “crus” em países pobres.
O novo teste do vírus do papiloma humano, ou HPV (do inglês "human papillomavirus"), pode não apenas salvar vidas. Cientistas dizem que as mulheres acima dos 30 anos poderiam deixar de lado o exame Papanicolau anual para realizar o teste de DNA apenas uma vez a cada três, cinco ou até dez anos, dependendo do especialista consultado.
Seu otimismo é baseado num estudo de oito anos realizado com 130 mil mulheres na Índia, financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates e publicado na semana passada no periódico médico "The New England Journal of Medicine". A pesquisa é a primeira a mostrar que um único exame com o teste de DNA supera todos os outros métodos capazes de evitar o avanço do câncer e a morte.
O estudo é “outro prego no caixão” do Papanicolau, que “logo será de interesse principalmente histórico,” disse Paul D. Blumenthal, professor de ginecologia da escola de medicina de Stanford, que testou técnicas de exames na África e Ásia e não estava envolvido na pesquisa.
Efetividade
Entretanto, a adoção do novo teste dependerá de muitos fatores. Um deles inclui o medo dos ginecologistas em abandonar o Papanicolau, até hoje extremamente efetivo. O câncer cervical foi uma das principais causas de mortes de mulheres nos anos 50. Hoje ele mata menos de 4.000 pessoas por ano.
Em países de baixa e média renda, onde o câncer mata mais de 250 mil mulheres anualmente, o custo é um fator. Todavia, o fabricante do teste, Qiagen, financiado pela Fundação Gates, desenvolveu uma versão de cinco dólares. Este preço pode cair ainda mais, caso haja pedidos suficientes, explicou a companhia.
“As implicações da descoberta desse exame são imediatas e globais”, escreveu Mark Schiffman, do Instituto Nacional do Câncer, num editorial que acompanha o estudo. “Peritos internacionais em prevenção do câncer cervical agora deveriam adotar o teste HPV.”
Atualmente, existem enormes distâncias entre a forma de examinar em países ricos e pobres.
O criador
No ocidente, as mulheres fazem exames com o nome de seu inventor, Georgios Papanikolaou. Células são “raspadas” do cérvix (colo do útero) e enviadas a um laboratório. Lá elas são manchadas e inspecionadas no microscópio por um patologista em busca de anormalidades. Os resultados podem demorar dias.
O teste de DNA também precisa de raspas cervicais, mas elas são misturadas a reagentes e lidas por uma máquina.
Em países pobres, a maioria das mulheres não realiza exames de rotina. É a dor que as leva a um hospital. Nesse estágio, geralmente já é tarde demais.
Todavia, em alguns países as mulheres fazem a “visualização”, realizada pioneiramente na década passada com o apoio da Fundação Gates. Nesse processo, um médico olha o cérvix com uma lanterna e o esfrega com vinagre. Manchas que se tornarem brancas podem ser lesões pré-cancerosas. Elas são imediatamente congeladas e retiradas. Diagnóstico e tratamento exigem apenas uma vista.
Problemas em países pobres
O exame Papanicolau falha no Terceiro Mundo porque há poucos patologistas experientes e porque as mulheres, que deveriam retornar ao consultório, muitas vezes não o fazem.
O estudo indiano, iniciado em 1999, dividiu 131.746 mulheres saudáveis de 497 vilarejos – com idades entre 30 e 59 anos – em quatro grupos. Um deles, o de controle, recebeu o tratamento típico de clínicas rurais: aconselhamento para ir a um hospital caso desejassem se examinar. O segundo fez o Papanicolau. O terceiro recebeu a visualização com lanterna e vinagre. Por fim, o último fez o teste de DNA – na época realizado pela Digene, hoje propriedade da Qiagen. A empresa não fez doação ou pagou pelo estudo, segundo seus autores.
Após oito anos, o grupo de visualização tinha aproximadamente as mesmas taxas de avanço de câncer e mortes quando comparadas aos do grupo controle. O grupo Papanicolau tinha cerca de três quartos das taxas. Já o do teste de DNA tinha cerca da metade.
Significativamente, nenhuma das mulheres com resultado negativo em seu teste de DNA morreu de câncer cervical. “Logo, se você tiver um teste negativo, você estará bem por muitos anos”, disse Blumenthal.
O principal autor do estudo, Rengaswamy Sankaranarayanan da International Agency for Research on Cancer em Lyon, na França, disse: “Com este teste, você pode começar a examinar mulheres aos 30 anos e repetir o exame somente a cada 10 anos”.
Questionada se esse conselho se aplicaria aos Estados Unidos, a Debbie Saslow, diretora de câncer ginecológico da American Cancer Society, respondeu, “Absolutamente não”.
“Um teste negativo significaria que a probabilidade de uma mulher desenvolver câncer é pequena, e não nula”, acrescentou a doutora. “Mas se ele houvesse dito cinco anos, eu não teria uma reação tão forte.”
Exames de rotina
Desde 1987, ainda segundo a médica, a sociedade de câncer e o American College of Obstetricians and Gynecologists recomendam a realização de Papanicolau apenas a cada três anos, após um teste inicial negativo. Em 2002, eles recomendaram também o teste HPV. A partir de então, amontoam-se evidências de que o Papanicolau pode ser abandonado.
“Todavia não conseguimos a aceitação dos médicos”, disse Salsow. “Os ginecologistas medianos, especialmente os mais velhos, dizem, ‘As mulheres vêm para fazer seu Papanicolau, e, assim, as trazemos aqui para realizar outros tratamentos’. Estamos realizando exames desnecessários, mas quando você passa 40 anos dizendo a todo mundo que faça um Papanicolau, fica difícil mudar.”
Sankaranarayanan disse que a maior parte dos países europeus recomenda exames a cada três ou cinco anos, e muitos não começam antes dos 30 anos de idade.
O câncer cervical é causado por algumas das 150 lesões do vírus do papiloma humano. As mulheres sofrem os danos assim que começam a ter relações sexuais – entretanto, mais de 90% dos casos desaparecem espontaneamente dentro de dois anos. Testes precoces de DNA encontrariam esses casos, mas também levariam a tratamentos desnecessários. Então, para mulheres entre 20 e 30 anos, os médicos muitas vezes solicitam exames repetidos de Papanicolau, algo caro, mas que pode detectar a pequena minoria de cânceres capazes de se desenvolverem em menos de 15 anos.
“Os Estados Unidos têm amplos recursos e baixa tolerância a riscos”, explicou Schiffman, enquanto alguns países, como a Índia, têm pouco dinheiro e são forçados a tolerar os riscos.
Jan Agosti, funcionário da Fundação Gates e inspetor dos exames preventivos no Terceiro Mundo, disse que o novo teste de cinco dólares da Qiagen – já comprovado por um estudo de dois anos realizado na China – funciona a bateria, sem água ou refrigeração, e demora menos de três horas. Em países onde as mulheres são “mais tímidas em relação a exames pélvicos”, ela acrescentou, o teste também funciona “razoavelmente bem” em limpezas vaginais que elas podem realizar sozinhas.
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