Falta de diagnóstico precoce faz problema crescer.
Quando o paciente chega ao médico, pode ser tarde demais.
Em fevereiro de 2005, Rita Miller, organizadora de eventos em Chesapeake, Virgínia, se sentia exausta devido ao que ela julgava ser uma gripe. Ela ficou chocada em saber que a persistente pressão alta causou um estrago tão grande no rim que o corpo dela não conseguia mais filtrar toxinas do sangue.
"O médico chegou perto da minha cama e disse: 'Você têm insuficiência renal – seus rins são como ervilhas secas'", lembrou Miller, agora com 65 anos, que não ia ao médico nem media a pressão havia anos.
"O médico disse: 'Traga sua família aqui agora mesmo'", contou ela. "Eles me diziam que eu poderia não sobreviver. Fiquei em estado de choque. Comecei a diálise no dia seguinte".
Miller, que desde então se mudou para Connecticut para ficar com os filhos, era um dos milhões de americanos que ignoram o fato de sofrerem de doença renal crônica, que é causada na maioria dos casos por uma hipertensão incontrolada (como no caso dela) ou diabetes, e geralmente é assintomática até atingir estágios mais avançados. O número de pessoas com a doença – geralmente abreviada como CKD (do inglês, chronic kidney disease) – tem aumentado em um ritmo significativo, em grande parte devido à crescente obesidade e ao envelhecimento da população.
Uma análise de dados federais sobre saúde publicada no último mês de novembro no The Journal of the American Medical Association revelou que 13% dos adultos americanos – cerca de 26 milhões de pessoas – têm doença renal crônica. Há uma década, eram 10%, ou cerca de 20 milhões de pessoas.
"Tivemos um aumento marcante na doença renal crônica nos últimos 10 anos, e esse quadro persiste com os baby boomers entrando na idade da aposentadoria", disse Dr. Frederick J. Kaskel, diretor de nefrologia pediátrica do Hospital Infantil em Montefiore, no Bronx. "O peso para o sistema de saúde é enorme e vai piorar ainda mais."
"Não temos unidades suficientes para oferecer diálise a esses pacientes".
Preocupado com esse quadro emergente, agentes federais de saúde deram início a programas pilotos para reforçar o conhecimento público, aumentar a supervisão epidemiológica e expandir esforços para examinar aqueles mais sujeitos ao risco – pessoas com pressão alta, diabetes ou um histórico familiar de doença renal.
Essas pessoas, e aquelas que já têm a doença, geralmente podem ser beneficiadas pelo mesmo tipo de medicamentos e mudanças de estilo de vida usados para combater a hipertensão e a diabetes. As pessoas são orientadas a imediatamente parar de fumar, perder peso, fazer exercícios regularmente, restringir a dieta e, se necessário, controlar a pressão sangüínea e a diabetes com medicação. Mas esses esforços não conseguem recuperar funções renais perdidas.
O problema é que a maioria das pessoas conhece muito pouco sobre doença renal crônica e raramente pergunta ao médico como anda sua função renal. E muitos daqueles que têm a doença se sentem relativamente bem até o estágio mais avançado da doença, apesar de poderem sentir sintomas não-específicos como câimbra muscular, perda de energia e baixa concentração.
"A maioria de nós, quando pensa em doença renal, pensa em diálise ou transplante", disse Dr. Joseph A. Vassalotti, diretor médico da National Kidney Foundation, um grande grupo de defesa e educacional. "Eles não entendem que a doença abarca um espectro largo e que a maioria dos pacientes desconhece seu quadro de enfermidade".
A doença renal crônica progride com o passar dos anos, com suas fases determinadas segundo dois critérios: a presença de proteína na urina, conhecida como proteinúria, e quão eficaz são os rins na hora de processar toxinas.
Pacientes só se submetem a diálise ou transplante de rim quando estão no estágio final da doença, também conhecida como insuficiência renal ou doença renal em estágio final. Mas o caminho até a falência dos rins pode levar anos. "Somente uma pequena porcentagem dos pacientes com doença renal precisam de diálise", afirmou Dr. Stephen Fadem, nefrologista de Houston e vice-presidente da American Association of Kidney Patients.
A doença renal crônica por si só pode prejudicar o sistema cardiovascular e levar a outras condições médicas muito sérias, como anemia, deficiência de vitamina D e problemas nos ossos. Os pacientes têm muito mais probabilidade de morrer de doenças cardíacas do que sofrer insuficiência renal.
Pelo fato de afro-americanos, latinos e outras minorias sofrerem desproporcionalmente de hipertensão e diabetes, eles apresentam taxas mais altas de doença renal e insuficiência dos rins. Outros casos são causados por distúrbios genéticos, doenças auto-imunes como lúpus eritematoso sistêmico, uso prolongado de certos medicamentos, como antiinflamatórios, e uma inflamação nos rins chamada de glomerulonefrite.
Em 2005, mais de 485 mil pessoas viviam graças à diálise ou transplante, a um custo total de US$ 32 bilhões. O Medicare paga grande parte desse custo, porque oferece cobertura para pacientes que precisam de diálise ou transplante mesmo se eles tiverem menos de 65 anos. Na verdade, doenças e insuficiências renais respondem por mais de um quarto das despesas anuais do Medicare.
A National Kidney Foundation, com orçamento anual de US$ 85 milhões, desempenha um grande papel na educação, elaboração de diretrizes, pesquisas e tratamentos na área. A organização oferece exames gratuitos para adultos em risco de terem doenças renais, publica um jornal líder na área, faz lobby em relação a temas de tratamento e políticas, e realiza grandes esforços de educação pública.
Mas a fundação tem recebido críticas sobre diversos aspectos, em particular seus laços financeiros estreitos com a indústria farmacêutica. A agência influencia fortemente a assistência médica através do desenvolvimento de diretrizes para orientar médicos sobre diversos aspectos da doença. Críticos afirmam que as diretrizes têm beneficiado fabricantes de medicamentos, que contribuem em grande escala com a fundação.
"Essas diretrizes são amplamente disseminadas e altamente influenciadas pela indústria, e elas são criticadas por recomendar níveis mais altos de tratamento", disse Dr. Richard Amerling, diretor de diálise ambulatorial do Beth Israel Medical Center em Nova York.
Em 2006, a organização publicou novas diretrizes para o tratamento da anemia associada à doença renal crônica. As diretrizes foram respaldadas pela Amgem, que comercializar um medicamento para anemia, e alguns membros do painel que desenvolveram as diretrizes tinham relações financeiras com a indústria.
As diretrizes da fundação pediam um aumento no número de contagem de hemácias para níveis mais altos do que aqueles recomendados pela Food and Drug Administration, e muitos nefrologistas criticaram as diretrizes como sendo influenciadas para favorecer a indústria. Após novos testes clínicos sugerirem que tratamentos mais agressivos poderiam causar um aumento nas mortes e nas taxas de problemas cardíacos, a fundação revisou as diretrizes.
Ellie Schlam, porta-voz para a fundação, disse que a organização estava vigilante para "garantir que nenhum fundo de patrocínio cedido à NFK" pudesse influenciar o conteúdo das diretrizes.
A organização também tem sido criticada por defensores que apóiam compensações financeiras para doadores de órgãos, ao que a fundação se opõe categoricamente porque considera não-ético e acredita que isso não aumenta a disponibilidade de doações. Em contraste, a American Association of Kidney Patients apóia pesquisas sobre como incentivos financeiros poderiam afetar a doação de órgãos.
Até a classificação da fundação em relação a doença renal crônica em cinco estágios distintos, um quadro que tem sido amplamente aceito, tem enfrentado alguns desafios.
Em 2002, a organização publicou critérios clínicos para determinar cada estágio da doença. Mas alguns especialistas afirmam que essas diretrizes têm o efeito de exagerar o problema ao classificar muitos pacientes idosos como tendo a doença quando na verdade eles têm um enfraquecimento dos rins natural da idade. A fundação responde que uma redução na função renal entre os idosos não deveria ser aceita como normal somente pelo fato de ser comum.
Devido ao papel do Medicare em pagar pela diálise e pelos transplantes, o governo federal sabe muito mais sobre a epidemiologia e os custos da doença renal em estágio avançado do que a doença renal crônica em geral. Nos últimos anos, o congresso direcionou os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças para preencher algumas dessas lacunas de conhecimento.
Em especial, os centros estão buscando desenvolver um sistema de supervisão abrangente para a doença, organizando projetos-pilotos de exames para pessoas com alto risco na Califórnia, Flórida, Minnesota e Nova York. A agência também está estudando as implicações financeiras da doença e o custo-benefício de diversas intervenções.
A National Kidney Foundation, que tem trabalhado lado a lado com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças e os Institutos Nacionais de Saúde em iniciativas relacionadas a doença renal crônica, também tem focado na educação e na realização de exames, particularmente em comunidades minoritárias. Terri Smith, diretor comunitário urbano da afiliada de Connecticut da fundação, conta que ela passa muito tempo visitando igrejas de negros e centros comunitários para falar sobre doença renal, e tem se surpreendido com o fato de que pouquíssimas pessoas conhecem alguma coisa sobre a doença.
"Eles sabem muito sobre hipertensão e diabetes, mas foi uma revelação para mim saber que as pessoas não viam a relação disso com a doença renal", ela disse. "As pessoas não têm idéia de que deveriam ingerir menos de uma colher de chá de sal por dia. Eu ensino a eles como ler os rótulos; entrego a eles perguntas para eles fazerem aos médicos".
Em Michigan, o afiliado local da NFK entra em contato com cabeleireiros e outras pessoas que trabalham em salões de beleza em comunidades minoritárias, treinando-os para falar com seus clientes sobre a realização de exames. Há muitos anos, depois que Mary Hawkins, 61 anos, enfermeira que vive em Grand Rapids, recebeu um alerta sobre doença renal de uma massagista no salão de beleza que freqüentava, ela marcou uma visita ao médico.
Apesar de ela não ter doença renal, soube que sua pressão estava alta. Hoje, ela toma três remédios para mantê-la sob controle, faz exercícios três vezes por dia, tem aulas de tai chi, já não fuma mais e faz aulas de dança naquele mesmo salão de beleza.
"Eu sabia da existência da doença renal, mas não conhecia o risco", ela disse. "Nós ficamos tão envolvidos com nossa própria vida que a última coisa que pensamos é nossa saúde – quando na verdade deveria ser a primeira".
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